domingo, 11 de setembro de 2022

REVOLTA DE PRINCESA – A EMBOSCADA DE ÁGUA BRANCA (Parte 04)

 


José Pereira Lima (1884-1949) era o mais poderoso coronel do sertão da Paraíba pelo qual falava como espécie de primeiro ministro. Vaidoso e simulado, assistira à erosão da autoridade sob o governo João Pessoa (1878-1930). Rico produtor de algodão, economicamente também vinha experimentando perdas. Seu algodão, destinado ao porto do Recife, onde os  Pessoa de Queiroz o comercializava, era exportado sem pagar impostos pelo Estado de Pernambuco. Com a política tributária de João Pessoa, via-se obrigado a sair por Cabedelo-PB por meio de estradas insatisfatórias que só conectavam com a linha férrea em Campina Grande, a mais de trezentos quilômetros de Princesa. Os prejuízos do coronel tornavam-se elevados, o que o levava a secundar as reclamações dos Pessoa de Queiroz. Vários outros coronéis também pensavam assim, daí porque o movimento de Princesa espalhou-se por Misericórdia, Conceição, Vale do Piancó, Catolé do Rocha, Pombal e Monteiro. Senhor absoluto dos comandados, José Pereira Lima, com total apoio do Palácio do Catete, conseguiu que Princesa se tornasse território livre e independente, com constituição própria, hino e bandeira próprios, exército próprio, enfim, legalmente separada do Estado da Paraíba. A família Pessoa de Queiroz, com quem o chefe princesense mantinha laços econômicos e pessoais estreitos e marcantes, e a posição do Presidente da República Washington Luiz era ambígua: o governo federal simpatizava com a rebelião, mas o Presidente que se recusava a apoiar o governo constituído de João Pessoa, proclamava que se o depusessem recorreria ao Exército para repô-lo no poder. O presidente João Pessoa, com a finalidade de municiar a polícia do Estado, pede ao Ministro da Guerra, Nestor Passos, "autorização para importar da França, cem mil cartuchos, para fuzil Mauzer", em 8 de abril de 1930. A autorização foi negada.


         O município, que já tinha visto passar diferentes grupos de cangaceiros, passou a ser reduto de valentia e independência. Foram travadas sangrentas batalhas e inúmeras vidas foram perdidas. Princesa se tornou uma fortaleza inexpugnável, resistindo palmo a palmo ao assédio das milícias leais ao Presidente João Pessoa. Colunas pereiristas incursionaram sobre esses municípios defrontando-se com a polícia. A Secretaria de Segurança estabeleceu quartel-general em Piancó e dividiu suas forças em pequenos grupos para conter os revoltosos. Estes retraíram-se mas a luta chegou a um impasse - os pereiristas não conseguiram conflagrar o sertão para propiciar a intervenção do governo federal, mas os legalistas não conseguiram tomar Princesa.

Dispondo de prestígio na capital e centros urbanos, João Pessoa recorreu à obtenção de donativos em armas e balas. Mineiros e gaúchos enviaram alguma coisa, mas a vigilância das autoridades federais na Paraíba dificultava o recebimento do material. Quando Pessoa pediu licença ao governo de Pernambuco para penetrar em seu território, a fim de cercar Princesa pela retaguarda, o governador Estácio Coimbra recusou o pedido. Os governantes do Ceará e Rio Grande do Norte também hostilizavam João Pessoa. O cerco à Paraíba era quase total. Reunindo as últimas energias, João Pessoa tentou solução no campo de batalha.

O Governo do Estado prepara o golpe que supunha fatal e envia à Princesa 220 homens em doze caminhões e farta munição sob o comando do tenente Francisco Genésio, e, pasmem, para espanto dos leigos e estrategistas, um feiticeiro que “benzia a estrada”, a cada parada, dizendo: ‘Vamos pegar Zé Pereira à unha!’. Os soldados sentiam-se mais protegidos e aplaudiam com entusiasmo o novo protetor, pois com ele estariam imunes às balas. Não foi o que aconteceu. Ao chegarem ao povoado de Água Branca, no dia 5 de junho de 1930, foram recebidos à bala, numa emboscada fulminante. O primeiro a ser atingido, com um tiro na testa, foi o dito feiticeiro. O tampo da cabeça do feiticeiro voou longe como se fosse uma rolha de garrafa atirada pela pressão, levando com ele um monte de miolos e sangue. O corpo do desgraçado caiu batendo na lama, endoidecido, derramando o resto de cérebro na água barrenta da chuva. Marcolino nunca errara um tiro de rifle daquela distância e acertou na mosca, derrubando o fechador de corpos diante do olhar espantado dos soldados sob sua proteção. Olhar de espanto que de logo foi transformado em medo, terror e desespero com a chuva de chumbo quente derramada sobre eles dos dois lados da estrada. Parecia que o inferno tinha subido das profundas e chegado a Água Branca com todos os seus diabos e assessores. Soldado caía morto feito manga madura caindo do pé. O tenente Agripino não teve nem tempo para dar ordens aos comandados, porque morreu abraçado ao feiticeiro. E também morreram sargentos, cabos e soldados. No meio do tiroteio, uma explosão ensurdecedora estremeceu o chão e fez subir para o céu um tutano de fumaça de mil chaminés. Era o caminhão de balas e bombas que acabava de ser destruído pelos cabras de Marcolino, levando para o espaço as esperanças de vitória da tropa do Governo.  

       A mortandade foi grande. O caminhão que explodiu transportava nove soldados, sendo todos eles encontrados despedaçados mais tarde, quando se fez a contagem dos estragos da luta.  O segundo caminhão, carregado de charque, farinha, feijão e gasolina, ficou parado numa ribanceira porque o chofer, um sargento que o comandava e três soldados morreram nos primeiros tiros. Esse caminhão foi de logo incendiado pelos homens de Zé Pereira. Dos 12 caminhões que compunham a expedição, cinco foram incendiados, quatro saíram em disparada para a fronteira de Pernambuco e os três últimos, que formavam a rabeira da expedição, recuaram rumo a Teixeira, conseguindo escapar. Cessado o tiroteio, os homens de José Pereira deram batidas no mato e encontraram inúmeros soldados mortos e feridos, que foram abandonados, entre eles o médico da coluna que estava todo rasgado e tremendo que só vara verde. Marcolino encorajou-o, tratou dele e quando viu que estava em condições de andar, mandou-o de volta aos seus companheiros em Teixeira. Nessa emboscada morreram 70 soldados e 60 ficaram feridos. Do lado de Zé Pereira, um saiu ferido e dois desapareceram. A emboscada ainda rendeu a apreensão de 72 fuzis e 20 mil balas. Marcolino voltava com a vitória e os despojos de guerra para Princesa, mas deparou-se com uma força policial que vinha em socorro dos emboscados. O encontro se deu próximo a Fazenda Glória e houve tiroteio, onde morreram quatro cabras do coronel e 13 da polícia. Dali Marcolino finalmente regressou a Princesa, levando na bagagem nove prisioneiros, entre eles um cabo.

Foram quase cinco meses de combates inenarráveis, quando se destacaram nomes como Marcolino Pereira Diniz, Manuel Lopes Diniz, Cícero Bezerra, Sinhô Salviano, João Paulino, Caixa de Fósforo, entre outros, do lado do “Coronel” José Pereira, enquanto combatentes fiéis a João Pessoa se destacaram Coronel Elísio Sobreira, Raimundo Nonato, Clementino Quelé, Jacob Franz, gaúcho que saiu do Rio Grande do Sul para servir à causa da Aliança Liberal, entre muitos outros, comandados pelo Secretário de Interior e Justiça José Américo de Almeida. Impressiona o número de baixas dos militares paraibanos quando da guerra de Princesa em 1930, pois em todos os combates registraram-se perdas consideráveis para os “legalistas” a serviço do governo João Pessoa. Princesa está localizada em área montanhosa, a qual perfaz continuidade do planalto da Borborema, sendo caracterizada pelas formações rochosas que serviram de aliadas em diversas tocaias que levaram morte, terror e pânico aos valentes soldados do bravo Presidente. Do alto das serras que circundam Princesa tinha-se visão panorâmica que permitia vislumbrar qualquer aproximação de tropas, tornando-se fácil preparar nos mínimos detalhes tocaias fatal, como a que destroçou a Coluna da Vitória logo após Água Branca. O conhecimento das condições naturais, incluindo vegetação extremamente útil para adaptações em condições de guerrilha, caso do acontecido em Princesa, aliou-se à perspicácia dos sertanejos comandados por José Pereira.

 

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