domingo, 11 de setembro de 2022

A GUERRA TRIBUTÁRIA NA PARAÍBA– ENSAIO PARA O LEVANTE DE PRINCESA-PB

 


O coronelismo é um fenômeno que se iniciou no Brasil após a proclamação da República. Com o fim do voto censitário – que exigia do cidadão uma renda mínima para poder votar – o número de brasileiros eleitores aumentou e as elites do império passaram a se utilizar desse fenômeno para se manter no poder. “Concebemos o coronelismo como resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada (…) o coronelismo é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente, os senhores de terras”. Ou seja, o coronelismo era uma troca de favores entre os menos favorecidos e os coronéis, e entre estes e o poder público.

Durante o período regencial (1831-1840), uma série de revoltas populares eclodiram pelo país. Para controlá-las, o governo criou a chamada Guarda Nacional. Essa guarda era particionada por grandes senhores de terras, que ganhavam o título de “coronel”. Com o início da República, a Guarda perdeu espaço gradualmente, até deixar de existir em 1922. Mas o prestígio e influência dos coronéis continuou. Assim, eles se mantiveram como chefes políticos de áreas próximas à sua propriedade, ou de sua vizinhança. Essas áreas eram chamadas de currais eleitorais. O coronel mantinha com seu curral eleitoral uma troca de favores: ele protegia a população do “curral”, e esta o obedecia. Assim, durante a época das eleições, todas as pessoas que dependiam do coronel votavam no candidato que ele indicava. Essa prática ficou conhecida como voto de cabresto, expressão que compara o eleitor a um animal controlado por alguém.

Além disso, o eleitor podia ser pressionado pelo coronel, visto que o voto era aberto: se escrevia em um papel o nome do candidato e a assinatura do eleitor ao lado. Com isso, era fácil saber em quem o eleitor tinha votado. A relação entre coronéis e curral eleitoral servia para sustentar não somente o poder local, mas toda uma relação política que ficou conhecida como Política dos Governadores. Ela consistia em uma troca de favores que ia do nível municipal até o federal. Naturalmente, a ação sobre os agregados é mais forte do que com os outros. Com os primeiros, existe troca de favores: "para ele (o coronel), favor é dar um dia de serviço quando o pobre está passando fome; é não deixar que vá preso quando se embriaga e tenta subverter a ordem pública; é dar a roupa e o calçado para votar; é dar o remédio e o médico quando o pobre está doente; é afiançá-lo na loja do comerciante para comprar a roupa; é dar-lhe terra e fornecer dinheiro para plantar e limpar o roçado. Em troca desses favores exige, naturalmente, outros favores. Exige que leve e traga os recados. Exige que vá à feira comprar e trazer as mercadorias. Exige respeito e acatamento às suas ordens Exige que açoite ou mate o adversário quando lhe ofende. Exige que bote água e lenha em casa. Exige, finalmente, o voto. O voto que é o instrumento poderoso com que o chefe mantém o seu prestígio, o seu domínio, a sua posição de líder. Sem isso estaria terminado o seu ciclo, a sua gestão, o seu feudo"

Sendo o poder do coronel local, é grande o seu controle sobre empregos públicos; e, também, na nomeação ou demissão das autoridades; como no aumento ou baixa de impostos, segundo a sua conveniência ou inconveniência, quando quer servir amigos ou prejudicar outros. Prefeitos, governadores e até mesmo os presidentes venciam as eleições com ajuda desses grandes fazendeiros, que interferiam no resultado através do voto de cabresto, símbolo da prática do coronelismo. Os coronéis garantiam votos nos municípios para os presidentes de estado (título dado aos governadores na época) em troca de apoio e verbas; e os presidentes de estado apoiavam o Governo Federal, que em troca não interferia nas eleições estaduais. Todas essas práticas, alinhadas a outras, como a de colocar na lista de eleitores pessoas mortas ou que nem sequer existiam, serviram para manter as oligarquias rurais no poder.

João Pessoa assumiu o governo da Paraíba em 1927 indicado pelo seu tio, Epitácio Pessoa, que já havia sido presidente da república e era o líder da oligarquia paraibana. Outro sobrinho, Francisco Pessoa de Queiroz, foi preterido na disputa e mudou-se para o Recife onde se afirmou como empresário e político, mas sem desistir de influir na vida paraibana. Ao assumir o governo, tomou medidas no sentido de reprimir o clientelismo que marcava as relações entre o governo estadual e os coronéis nos municípios. João Pessoa discordava da forma como grupos políticos que o elegera, conduziam a política paraibana, onde era valorizado o grande latifundiário de terras do interior, possuidores de grandes riquezas baseadas no cultivo do algodão e na pecuária. Estes “coronéis” atuavam através de uma estrutura política arcaica, que se valia entre outras coisas do mandonismo, da utilização de grupo de jagunços armados e outras ações as quais o novo governador não concordava. Nos seus redutos, eram eles que apontavam os candidatos a cargos executivos, além de nomearem delegados, promotores e juízes. Eles julgavam, mas não eram julgados. Verdadeiros senhores feudais, nada era feito ou deixava de ser feito em seus territórios que não tivesse a sua aprovação. Mas João Pessoa passou a não respeitar mais as indicações de mandatários para nomeações de cargos públicos. 


        Por esta época, esses coronéis exportavam seus produtos através do principal porto de Pernambuco, em Recife, provocando enormes perdas de divisas tributárias para a Paraíba. Procurando evitar esta sangria financeira e efetivamente cobrar os coronéis, João Pessoa implantou diversos postos de fiscalização nas fronteiras da Paraíba, irritando de tal forma estes caudilhos, que pejorativamente passaram a chamar o governador de “João Porteira”.

Com o sistema de arrecadação tributária, aplicado pelo presidente, haveria distinção entre as mercadorias importadas pelo litoral, através do Porto de Cabedelo, e aquelas que entravam na Paraíba pelas fronteiras terrestres. Essas medidas, consolidadas com a Lei número 673, de 17 de novembro de 1928, tornou a prática do comércio dos sertanejos com os estados vizinhos impossível. Em Pernambuco, estado atingido diretamente pelas medidas, foi iniciada uma campanha no Jornal do Commércio pelos irmãos Pessoa de Queirós, primos de João Pessoa, contra a chamada “guerra tributária”. Na Paraíba, a defesa da administração do presidente ficou por conta do jornal A União, veículo oficial.

Na Guerra Tributária, travada de março a julho de 1929, pela Imprensa, já se esboçava o quadro da futura guerra civil de Princesa. Isto porque, enquanto João Pessoa contava com apoios na capital e centros urbanos, tinha contra si a burguesia compradora do porto de Recife, a que se ligavam os grandes proprietários de algodão e cana-de-açúcar. Entre esses destacavam-se o coronel José Pereira Lima, como mais influente chefe político do sertão e eminência parda do governo Suassuna e os Ribeiro Coutinho da várzea do Paraíba, cujos açúcar e gado a presidência do estado desejava taxá-los.

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